O mundo está em mudança. Em boa verdade, está em mudança desde que escarrapacharam um avião contra duas fálicas figuras de betão erigidas em NY. No decorrer dessa mudança, dessa longa milésima puberdade atravessada pelo planeta Terra, Portugal, não mudou nada, alguns bem tentaram, para melhor e para pior, mas nem os para pior conseguiram alguma coisa de jeito. Lamentável. Mais recentemente, nesse planalto sem fim de convulsões e...mudanças, que nós cruzamos como navegadores de outrora, apareceu esotéricamente em Portugal continental, no Reino da Madeira e na Tribo dos Açores, um punhado de livros de um escritor chileno muito controverso, que fumava desalmadamente, e que passou a perna a todos os que tentaram declará-lo inabilitado por anomalia psíquica, chamado Roberto Ávalos Bolaño. Um escandâlo. A literatura renasceu, clamaram coros de serafins em cafés do Príncipe Real e da Rua Garrett. Este gajo é um filho da puta iletrado que conta histórias da carochinha sem nexo (ou Nexus), sem uma ponta de emoção, é só debitar, é só debitar, vociferaram outros. Pois bem, a realidade, é que o cabrão do chileno, depois de morto, vendeu como um Jim Morrison, e toda a alma no metro trazia o gordo 2666 debaixo do braço suado, ou o sublime Detectives Selvagens encravado entre o polegar e os outros. Era vê-los, aos tugas, como necrófilos, a desenterrar de tudo o que era livraria, Borges e Marquez, e sempre, Bolaño, mais Bolaño, mais Bolaño. Ora pois, Gabriel Garcia Marquez, comunista, amigo do Castro, mulherengo (acho que papou como gente grande a mulher do Vargas Llosa), polémico, populista (ou acertivo), ganhou o Nobel, em 1982, esse cobiçado prémio garante de uma velhice próspera e sem produção literária de nível. Jorge Luis Borges, na minha muito humilde opinião, incomparável ao Marquez, deixa-o a léguas; uma densidade de prosa anormal, uma imaginação prodigiosa e atrevida, naquela medida em que "se eu escrever isto passo por patético e nem me compreende, logo ninguém me publica", mas os tempos era outros e havia muito por escrever e o Borges empinou o nariz e criou bibliotecas inimagináveis, civilizações, dicionários, desertos, nomes, animais, episódios curtíssimos e quase tão orgásmicos quanto toda a vasta obra do Marquez adquirível ao kilo. O pobre do Jorge, admirado por legiões e com um talento estúpido, nunca ganhou o Nobel, era sempre favorito, todavia, ano após ano, batiam-lhe com a porta no nariz, e lá fora o mundo era cruel e ingrato e o Borges passou frio. Depois, o homem morreu, enfim, mais dia menos dia havia de acontecer, e pronto, lá esticou o pernil. Os velhos nórdicos que o deviam ter escolhido num ou noutro ano ficaram fodidos num profundo arrependimento, apercebendo-se de andarem a brincar com coisas sérias durante demasiado tempo. Enfim, uma merda. E entretanto, claro, o Marquez vai fumando charutos, comendo a mulher dos outros, rezando ao Marx, e fazendo todas aquelas coisas peculiares a uma mente latina. Os anos passaram, assistiu-se a uns nóbeis ridículos, tipo Toni Marrison, Dario Fo e Elfriede Jelinek. E finalmente, no glorioso ano de 1990 o Prémio Nobel da Literatura é atribuído a um senhor das américas... Octávio Paz!, uma tristeza, uma decepção; não sugiro a ninguém, e acho melhor mesmo não o contabilizarmos. Os anos continuaram a passar (não, ainda não passámos da primeira metade do séc. XXI), e eis que neste dramático ano de 2010, Mário Vargas Llosa, ora peruano, ora espanhol, ora ambos, ganha o Nobel e a academia sueca redime-se das mentes brilhantes latino-americanas que ficaram a chuchar no dedo por força da sua inexplicável miopia (falo do Borges, do Amado, do Reyes, e do Bolaño). Não estou aqui a criticar a atribuição do prémio ao Vargas Llosa, nem o acho indigno do prémio. Tem muita qualidade a escrita do senhor. Não está em questão tal coisa. Mas, como explicar... eu queria um parto natural e não uma cesariana. Eu queria que o hipotético laureado latino americano arrebanhasse o prémiozinho sem o empurrão de factores como arrependimento, ou compensação. Sonhava que o Borges e o Amado e os outros nunca laureados pelo Nobel não exercessem algum tipo de pressão do além na mente da "academia", coisa que aconteceu através de um tubérculo abundante nas terras de Cherrapunji na Índia e ingerido pelos sábios das terras do frio, chamado "Remorso". O Mário, e não deixo de lhe ter alguma comiseração, deve o maldito nobel aos que o merceram e não receberam antes, deve-o ao recente boom Bolaño e a todo o novo renascimento da literatura das américas que se lhe seguiu. E pela primeira vez, gritantemente, um escritor toma em mãos o mais importante (?) galardão das letras do cosmos graças (!) a outro punhado de escritores, quiçá, mais talentosos que ele. E pronto. O mundo pode agora continuar em mudança.
P.S. Jorge (Amado), desculpa, isto é entre hispânicos mas tu sabes bem do teu papel.
1 bastonada(s):
You see the movie Jim Morrison Last Day?
You can see at http://jim-morrison-fanclub.blogspot.com/
It's very strange.
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